Ensaio de Michael Darlow (2000)
A biografia de Terence Rattigan é um daqueles livros que nem em sonhos pensava em ler. Encontrei-o nuns saldos de Saint-Ouen e comprei-o junto com outras biografias de personalidades britânicas. Foi uma leitura empolgante. O autor do livro fez uma excelente pesquisa e interpreta a vida e a obra de Rattigan de forma inteligente, conseguindo mostrar que nas peças do dramaturgo inglês se encontram as grandes linhas da sua vida.
Foi através do cinema que tomei conhecimento de Rattigan. Nos últimos 20 anos pelo menos três memoráveis filmes adaptaram peças que ficaram famosas quando se estrearam, tornando Rattigan o mais famoso dramaturgo inglês dos anos 1940/50: The Browning Version (Mike Figgis, 1994), The Winslow Boy (David Mamet, 1999) e The Deep Blue Sea (Terence Davies, 2011), este último uma obra-prima do cinema recente. Mas estas peças tiveram adaptações para cinema em vida do autor, que eu gostaria muito de ver. Rattigan desprezava o cinema, mas escreveu numerosos argumentos originais ou baseados nas suas próprias peças; o cinema era encarado como uma fonte de dinheiro e pouco mais. Rattigan fez uma parceria, digamos assim, com o realizador Anthony Asquith, com quem trabalhou em pelo menos dez filmes. Vi há muitos anos na televisão um ou outro filme dos dois, mas após a leitura desta biografia fiquei com imensa curiosidade em ver todos os frutos desta colaboração excecional. Não antecipo grandes surpresas cinematográficas da parte de Asquith, mas gostaria de conhecer os textos de Rattigan. Este também trabalhou com realizadores como David Lean, Harold French, Laurence Olivier ou Anatole Litvak.
Terence Rattigan era homossexual e grande parte da sua vida decorreu quando os atos homossexuais eram punidos com prisão pelo Direito britânico. Portanto viveu a sua sexualidade da forma mais discreta possível de modo que nem a sua mãe terá sabido da orientação sexual do filho. As suas peças não abordam diretamente a homossexualidade (seriam proibidas por Lord Chamberlain, a instituição censória da época), mas o subtexto das mesmas revelam os dilemas interiores do seu autor. Quando o dramaturgo era vivo, a sua obra teve uma consagração comercial e crítica notável, mas apenas na Grã-Bretanha. Regularmente as peças estreavam em Nova Iorque mas sem sucesso. O universo temático das peças de Rattigan ia ao encontro da sensibilidade dos britânicos, centrando-se na exposição da repressão dos sentimentos e das dificuldades em viver uma vida amorosa sincera e transparente, no quadro casamento. Rattigan era ambicioso, no sentido em que tentava escrever pelo menos uma peça que lhe garantisse um lugar entre os grandes. É um daqueles casos em que o enorme sucesso consecutivo das suas peças (entre o fim dos anos 30 e o surgimento da geração dos angry young men em meados dos anos 50) produziu a desconfiança de que se tratava de um autor comercial mas com uma excelente técnica dramatúrgica. Rattigan sofreu sempre com esse estigma, tendo sido extremamente sensível à crítica das suas peças.
Como acontece com as biografias dos artistas da indústria do espetáculo, a vida deles cruza-se com a de muitos outros. No caso de Rattigan, há sempre boas histórias a serem contadas que envolvem pessoas míticas como John Gielgud, Laurence Olivier, Elizabeth Taylor, Richard Burton ou Vivien Leigh. A minha preferida, porém, envolve Marilyn Monroe, que protagonizou com Olivier um filme escrito e baseado numa peça de Rattigan: The Prince and the Showgirl (1957), realizado pelo próprio Olivier. Embora Rattigan desprezasse o cinema, adorava as suas estrelas. Foi Marilyn que contactou Rattigan para adaptar uma peça sua. Rattigan não desejava outra coisa. E ficou subjugado pela estrela loura no seu primeiro encontro. A produção de The Prince and the Showgirl originou o filme recente My Week with Marilyn (2011), de que gostei e que voltarei a ver, pois agora conheço alguns pormenores de toda essa história que me levam a vê-lo com outro interesse.
Enfim, uma das melhores biografias que li. Terence Rattigan. A Man and His Work, de Michael Darlow, Quartet Books, 2000 (edição revista da edição original de 1979) 04.2015 5/5