Um médico de um hotel de águas medicinais descobre que a água está na verdade contaminada. Todo o desenvolvimento do empreendimento termal e da cidade que dele vive assenta assim numa grande mentira. O médico decide tornar público esse facto mas as autoridades, as forças vivas e por fim toda a população se revoltam contra ele, considerando-o o inimigo do povo. É uma das peças mais impressionantes que já vi. A questão ecológica, central na trama, entra pela porta grande na dramaturgia mundial. A questão política, a mais importante da peça, resume de forma feliz os grandes debates do final do século 18, mas continua muito atual. A representatividade na democracia, a elite ou vanguarda versus as massas, a deriva para o autoritarismo ou mesmo totalitarismo, o interesse social e o indivíduo, o fanatismo e o purismo ideológico, o controlo da opinião pública, os reacionários e os revolucionários (que podem também dar as mãos): tudo apresentado de forma dramatúrgica superior, com mil ecos no presente. Na verdade, vi a peça como se tudo se passasse nos dias de hoje, numa pequena cidade qualquer. Ibsen adorava ler a imprensa, mais aliás (se não estou errado) do que literatura, e por isso estava muito bem informado do estado do mundo e dos seus inúmeros fait divers. O Théâtre du Nord Ouest está de parabéns por ter conseguido propor uma produção à altura da importância da peça de Ibsen. Os atores são excelentes mas o protagonista merece o maior aplauso porque raras vezes vi um papel mais exigente, mesmo fisicamente, do que Stockmann. Foi uma grande noite de teatro. Paris 05.2018 TNO 4,5/5
En folkefiende (Un ennemie du peuple, 1882)
Encenação de Olivier Bruaux
com
Alexandre de Pardailhan (Doutor Thomas Stockmann)
Mrs. Katherine Stockmann (Luana Kim)